Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

CADERNETAS DE TIRO

 

O presente artigo versa sobre uma importante e antiga ferramenta que deve estar sempre ao alcance do atirador, particularmente ao do carabineiro que tem muitas ajustagens para realizar. Essa ferramenta chama-se caderneta de tiro ou diário do atirador, que deverá conter os dados principais dos ajustes de sua arma e das suas posições. A caderneta foi lembrada pelo técnico William (Bill) Krilling, treinador da equipe olímpica norte-americana e instrutor do Fort Benning durante anos, quando esteve no Brasil em 1977, contratado pela Confederação para ministrar clínicas de tiro aos carabineiros .

O diretor-técnico da CBTA - Alberto Braga (Tutuca) escreveu um interessante artigo, republicado no site da FMTE -“Do fundo do Baú.”, com suas impressões sobre a clínica ministrada no excelente estande do Clube de Regatas do Flamengo, atualmente demolido por decisão da diretoria do clube para dar mais espaço para o futebol na década de 80. Enquanto esperávamos a chegada do Krilling e do Braga, estávamos realmente com muita ansiedade e esperançosos pelas possíveis mudanças em nossas posições, que certamente fariam melhorar os nossos resultados.

Ao chegar, Krilling pediu para que nós nos arrumássemos e que gostaria de analisar nossas posições, bem como o nosso desempenho técnico. Ao nos prepararmos para o tiro deitado veio a primeira observação: “onde estavam as nossa cadernetas de tiro para o ajuste das armas na posição deitado?”. Alguns estavam montando a sua carabina sem qualquer anotação, fazendo tudo de “cabeça” como diziam, outros utilizando “bloquinhos” com anotações rabiscadas.

Chamou, então, a nossa atenção para a importância de anotar as regulagens das armas para aquele estande e as observações sobre as posições de tiro ao final do treinamento. A seguir, sentado com a sua luneta atrás de nós, passou a nos observar atirando na posição deitado. Após vários disparos iniciou as correções das nossas posições e em seguida, munido de uma chave, começou a ajustar as armas, encurtando a distância do garfo ou dando uma inclinação no prato, alterando também o furo da bandoleira ou até mesmo mexendo na distância do gatilho.

Durante toda a manhã manteve esta dinâmica, observando os grupos de tiros e corrigindo a posição de cada atirador ou modificando as ajustagens das carabinas. Não seria necessário ressaltar a mudança dos grupamentos, com os tiros ficando mais freqüentes na zona do dez. Além dessas mudanças mecânicas procurava conversar com cada um, perguntando como estava se sentindo, transmitindo confiança e incentivo com os resultados apresentados.

Após o tiro deitado, com as ajustagens transcritas na caderneta, veio o treinamento da posição em pé, posição mais “carente” e de menor desempenho técnico de todos os presentes. Depois de algum tempo observando as nossas posições e desempenho, chamou-nos a atenção para a técnica do tiro em pé desenvolvida pelos atiradores do Fort Benning – “bend e twist”, ou seja inclinação da arma, facilitando o apoio da bochecha sobre a coronha e a torção do corpo, girando a parte superior na direção do alvo e mantendo o quadril voltado para frente. A posição ficou mais “trancada”, possibilitando mais disparos na zona do nove e do dez.

A nossa posição antiga de pé era realmente muito instável, com o peso da arma apoiado principalmente pela perna da frente, enquanto a perna direita ficava solta, com o quadril projetado para o lado. Com a nova posição ensinada , onde se procurava trazer o centro de gravidade para dentro da projeção do corpo, os resultados começaram a surgir, um maior número de dez e a redução dos tiros “escapados”. Novamente a obrigação de escrever na caderneta os novos ensinamentos e as novas regulagens.

Por fim, passamos para posição de joelhos, com o técnico modificando radicalmente as posições dos atiradores, antes elevada, com a distribuição equilibrada do peso sobre o triângulo formado pela posição, para uma posição mais baixa e com o peso da carabina
recaindo mais sobre a planta do pé esquerdo, tornando a posição mais estável, com menor movimento lateral e com um maior rendimento técnico.

Ainda guardo a minha velha caderneta de tiro, iniciada com o Krilling, contendo alguns preciosos ensinamentos transmitidos de uma forma objetiva, didática e convincente pelo renomado técnico que se tornou muito estimado pelos carabineiros que tiveram a oportunidade de serem seus alunos. Desde o “check list” até o “sentimento da posição interior” com itens assinalados em seu livro.

Do seu livro “Shooting for gold”, ele chama a atenção sobre a importância do uso da caderneta ou diário: “A caderneta ou o diário é um dos mais importantes acessórios do atirador.” Ele chama atenção para inúmeros objetivos, que incluem:

a. Montagem da carabina e ajustagem dos acessórios;
b. Anotações sobre as posições de tiro;
c. Anotar as pontuações para serem revistas mais tarde;
d. Anotações sobre treinos, provas e seções de práticas, ressaltando os aspectos positivos;
e. Informações gerais sobre estandes poderão ser aproveitadas mais tarde em outras ocasiões;
f. As entradas das posições devem ser naturalmente com confiança, reforçando os aspectos positivos da performance, sucesso e pontos fortes do atirador.

Encontrei Krilling durante a competição da Copa Mundial em Fort Benning em 2006, com aquele mesmo sorriso amigável de sempre. Procurou a equipe brasileira para rever os brasileiros e desejar boa sorte naquele evento. Convém lembrar que Krilling além de ter sido um atirador de alto nível técnico, conquistando a medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1963, em São Paulo, foi considerado um dos melhores técnicos da equipe norte-americana além de ser o autor de um dos melhores livros sobre o tiro de arma longa.

No próximo artigo apresentaremos algumas “dicas” sobre as três posições de tiro extraídas do seu livro e que certamente irão ajudar o carabineiro iniciante.


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
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