1932
- Participação Brasileira nos Jogos Olímpicos
de Los Angeles
1.
Jogos Olímpicos de Los Angeles
Nós vimos no artigo passado que o Tiro Esportivo havia
perdido a sua autonomia e estava subordinado à CBD, por
intermédio da Associação Metropolitana de
Esportes Atléticos, uma simples entidade desportiva da
capital federal, encarregada de dirigir todos os esportes amadores
do Distrito Federal.
A
falta de incentivo, os parcos recursos para custear viagens, além
da ausência de competições internacionais
fizeram com que o nosso esporte sofresse um grande baque em sua
importância e na perda de motivação dos nossos
atiradores.
Embora
a AMEA tenha se esforçado em promover campeonatos nacionais
no Rio de Janeiro, a última competição internacional
realizada havia sido na cidade do Rio de Janeiro em 1922 nos Jogos
Latinos – Americanos e onde obtivemos importantes vitórias
através do Tenente Guilherme Paraense e do Capitão
Dilermando de Assis.
O
País também passava por uma situação
muito difícil, onde os nossos atiradores militares estavam
muito empenhados com seus encargos profissionais, uma vez que
o Exército Brasileiro estava totalmente envolvido com a
missão de conter os inúmeros movimentos políticos
ocorridos no período.
Havia,
ainda, a carência de boas armas de tiro no mercado nacional,
somente sendo encontradas no exterior e a preços muito
elevados, fato que limitava o desempenho técnico dos atiradores
brasileiros.
Diante
de um quadro nada animador, a CBD resolveu promover às
vésperas do embarque da delegação para as
Olimpíadas uma campanha denominada “Quinzena Olímpica”,
juntamente com os clubes e jornais do Rio de Janeiro, visando
angariar recursos para a participação da delegação
brasileira nos Jogos de Los Angeles. O próprio Presidente
Vargas prestigiou o evento e assistiu o desfile que a delegação
olímpica brasileira realizou no estádio do Fluminense,
no dia 19 de junho de 1932. A campanha consistia na venda de selos
olímpicos na sede da CBD e no “Jornal dos Sports”.
2.
A Viagem da Delegação Brasileira
Por intermédio dos relatórios do Capitão
Orlando, Chefe da delegação, da entrevista do 1º
Tenente Antônio Ferraz da Silveira, capitão da equipe
de tiro ao “Jornal dos Sports” e do relato do atirador
de carabina Antônio Martins Guimarães, constatamos
com tristeza o completo despreparo da nossa delegação
e a falta de organização e inexperiência dos
dirigentes da CBD, transformando a viagem numa aventura.
O
testemunho de Guimarães foi muito importante para o resgate
histórico do Tiro Esportivo, pois trouxe até nós
fatos que esclarecem a melancólica participação
da equipe nos Jogos: “O governo federal fretou o navio “Itaquicê”,
do Loyd Brasileiro, para transportar a delegação
nacional composta de 82 atletas brasileiros, 60 argentinos e 10
uruguaios, além de inúmeros dirigentes, num total
de 375 pessoas, com destino à cidade de Los Angeles, sede
do X Jogos Olímpicos. Juntamente com a nossa delegação
e com objetivo de assegurar os recursos financeiros à manutenção
dos nossos atletas em Los Angeles, o Itaquicê, por determinação
do governo, transportava cerca de 50.000 sacas de café
em seus porões para serem comercializados nos Estados Unidos.
Uma
grande multidão curiosa e esperançosa compareceu
ao cais do Porto do Rio de Janeiro, para assistir ao embarque
da nossa delegação. A viagem foi longa e cansativa,
com escala em diversos portos na costa brasileira, deixando os
atiradores preocupados com a falta de treinos.
O
primeiro contratempo sofrido pela nossa delegação
ocorreu no Canal do Panamá, quando as autoridades aduaneiras
daquele país apreenderam o Itaquicê por suspeitas
de contrabando, em virtude do grande carregamento de café
conduzido em seus porões. Nem mesmo o fato do Itaquicê
ter instalado dois canhões no seu convés, na tentativa
de assegurar o direito e as prerrogativas de vaso de guerra, para
se livrar das taxas alfandegárias internacionais, foi aceito
pelas autoridades da Alfândega do Panamá. Pelo fato
da delegação não dispor de quantia relativa
para saldar a multa, foi necessária a intervenção
da embaixada brasileira, providenciando os recursos para a liberação
do navio e o prosseguimento da viagem.
A
estada forçada veio de certa forma beneficiar os atletas,
que aproveitaram os quatro dias de permanência “obrigatória”
no Panamá para treinarem suas provas, juntamente com os
atletas panamenhos.
Finalmente
o Itaquicê foi liberado e pode seguir destino. No Mar do
Caribe um novo contratempo: uma tempestade retardou ainda mais
a viagem e mexeu com os nervos de alguns...
Chegando
aos Estados Unidos mais problemas surgiram: os recursos que deveriam
apóia as equipes com a venda do café não
chegaram a tempo e um ambiente de pessimismo tomou conta de todos.
Como custear a estada dos atletas na Vila Olímpica? A única
solução encontrada pelos nossos dirigentes foi a
de reduzir o número de atletas, escolhendo entre aqueles
que tivessem maiores chances de obter medalhas nos Jogos...”
3.
A entrevista do Tenente Ferraz
Para que se possa melhor avaliar o desempenho dos nossos atiradores
nas provas de Los Angeles, foi de grande importância histórica
a entrevista concedida pelo Tenente Antônio Ferraz ao Jornal
“A Noite”, quando do seu regresso ao Brasil. Nessa
entrevista, o Tenente Ferraz revelou o ambiente de intranqüilidade
e insegurança vivido pela nossa equipe às vésperas
do início das provas:
“Não
pretendia tão cedo fazer declarações acerca
do que aconteceu comigo e com o tiro nacional em Los Angeles.
Aborrecera-me todo o acontecido, embora reconhecesse e sem modéstia,
que toda a minha ação fora recalcada no objetivo
único da colaboração aos meus companheiros.
Vocês pedem, e eu não me recuso.
Quando
chegamos a Los Angeles a confusão generalizou-se, em face
da carência de recursos geraes, quando capacitei-me de que
ao contrario das promessas o Itaquicê não poderia
regressar tão depressa quanto era do desejo geral, decidi
ainda com algum sacrifício, permanecer em Los Angeles com
o objetivo de ensaiar para o torneio olympico. Fiquei só.
Nenhum dos companheiros aderiu ao meu ponto de vista, confiante
em demasia nas promessas de breve regresso...
Na
tarde imediata à partida do nosso navio para São
Francisco, no dia 25, portanto, fui ao estande oficial conhecê-lo,
ver os alvos e estudar superficialmente os adversários.
Levava a minha pistola Colt, de modelo antiquado, com pouca munição.
Senti certa dificuldade neste primeiro ensaio percebendo nitidamente
que alguns concorrentes troçavam da arma que utilizava.
Não
desanimei, porém. Nos dias subseqüentes voltei ao
stand para ensaiar, já familiarizado com os mexicanos,
portugueses e italiano. Todos foram acordes, nesse dia, em avisar-me
que a pistola era deficiente, nada poderia conseguir no torneio
se insistisse na sua utilização.
Fiquei
envergonhado de retornar ao stand com a minha pistola. No dia
seguinte, dia 29, fui procurar o Capitão Orlando para que
me autorizasse a comprar uma pistola Colt Woodsman, do mesmo modelo
dos outros atiradores. Não havia dinheiro, mas obtive autorização
para a compra, com indenização posterior. Fui procurar
o comitê olympico. Três dias levei até que
encontrei os dirigentes; expuz a minha pretensão. Anuíram,
fornecendo-me um cartão para o chefe de polícia,
após rápida palestra telephonica com o mesmo.
Fui
à chefatura e depois de algum trabalho para fazer-me entender,
entreguei o cartão ao chefe. Negou-me peremptoriamente,
explicando que era contra a lei. Me desanimei completamente. No
dia imediato fui à Villa Olympica e casualmente toquei
no assumpto com o Mr Brown; o problema ficou resolvido finalmente,
comprometendo-se o Mr Brown a responsabilizar-se pela arma.
Somente
no dia seguinte pude encomendar a arma. Justamente quando a chegada
do empregado com a pistola, telephonaram para o bureau do Brasil;
era o comitê de tiro que reclamava a inscripção
do Brasil nos certames olympicos. Soube pelo Brown que eles estavam
desapontados com nosso atraso, pois a nossa inscrição
deveria ter sido entregue até 27 de julho, como as demais
equipes, o que não acontecera.
Por
consideração, haviam decidido conceder novo prazo
até o dia 4, impreterivelmente, ao meio-dia. Estávamos
no dia 4 e eram exatamente 12 horas e 10 minutos. Mr Brown indagou-me
quaes os que estavam indicados para competir. Retruquei-lhe que
eu era um simples atirador e não queria de modo algum envolver-me
em questões de alçada alheia. Que fosse consultado
o capitão Orlando; Brown não aceitou a recusa, pois
o tempo urgia e não se sabia onde poderia estar o chefe
da delegação, naquele instante. De ante disso observei
o Mr Brown que poderia indicar alguns nomes, unicamente para atender
a uma maneira de urgência, sem responsabilidade alguma.
A
seguir indiquei o Magaldi, Amaral e eu para a pistola. Indiquei-me
porque estava em Los Angeles, ensaiando com sacrifício,
providenciando o que me era possível em favor dos companheiros.
Para a carabina: o Costa Braga, Guimarães e o tenente Moacyr,
três nomes realmente capazes. O tenente Moacyr também
estava em Los Angeles e conseguira uma carabina por empréstimo,
pertencente à equipe do México. Foi assim que a
inscripção da nossa equipe foi feita, com a responsabilidade
de Mr. Brown.
Não
me exhimo, porém, de qualquer responsabilidade. Indiquei
aqueles nomes de plena consciência do que estava fazendo,
com pleno conhecimento do valor de cada um. Na tarde desse mesmo
dia 4, fui ao stand com a pistola nova. No dia seguinte, à
noite soube que o navio regressaria inesperadamente; encontrei
o Costa Braga que me transmitiu um recado do Dr. Afrânio”.
“Disse-lhe que não poderia ir a bordo, pois perderia
muito tempo e sacrificaria o treinamento”
Convém
abrir um parênteses no relato do tenente Ferraz para lembrar
aos nossos leitores que o Dr. Afrânio havia sido especialmente
convidado pela CBD para ser o representante do Governo junto à
Delegação Brasileira nos Jogos de Los Angeles.
“Estávamos
a cinco dias do torneio Soube depois que a direção
resolvera alojar os atiradores na Villa Olympica. Já era
sabedor que o Dr. Afrânio desligara-se da equipe contrariado
com a escalação.
No
dia 8 de agosto, antes do primeiro ensaio, todos os atiradores
foram ao meu alojamento, incorporados, impondo-me a capitania
do team nacional. Agradeci a homenagem dos meus companheiros e
expliquei-lhes toda a situação e o que nos restava
fazer naqueles três únicos dias de ensaio. Iríamos
concorrer apenas sem a menor chance. Não os larguei mais,
facilitando tudo quanto estava ao meu alcance. Treinamos com afinco,
mesmo sacrificados por uns tantos detalhes materiais, aproveitando
um máximo daquele prazo mínimo. Foi assim que competimos;
eu com meia dúzia de ensaios e os outros com três
apenas.
O
resto já se sabe; na pistola, por azar, o Magaldi e eu
ficamos juntos para atirar com a mesma arma. Que coisa dolorosa;
processos diferentes no dia de prova. O pobre Magaldi falhou logo,
assustando-se com a brusca mudança de alvos; eu fui a seguir
incidindo na mesma falta, mais tarde seria a vez do Amaral.
Veja
que espécie de tiro; os americanos que participaram do
certame, foram selecionados a quatro anos, em um torneio que reuniu
308 atiradores dos mais hábeis. Pertencem todos ao Revolver
Association e durante todo esse tempo treinaram permanentemente
com armamento especial e munição fornecida pelo
governo. Nada fizeram, como nós, é um tiro de sorte
unicamente!
Depois
da prova fomos cumprimentar Morigi, o formidável italiano
vencedor. Mostrava-se surpreso com o resultado que conseguira.
Na presença de todos disse que considerava os brasileiros
ótimos atiradores, surpreendendo-se com a nossa abnegação;
em país algum, nenhuma equipe seria capaz de entrar num
torneio com uma única pistola. Tivemos, dizia ele, duas
pistolas do último tipo e 20.000 tiros, além de
uma ajuda de 1.000 dólares para cada um.
Na
prova de carabina também a sorte não nos ajudou
e o nosso pessoal não foi bem; perdemos assim os dois torneios,
quando poderíamos ter feito uma boa figura. È tudo
quanto tenho a dizer...”
4.
A Competição
A competição reuniu nove países, com cada
equipe podendo inscrever três atiradores por modalidade.
O Brasil somente participou das provas de “carabina reduzida”
e de “pistola rápida às silhuetas”.
Como
foi observado no relato de Ferraz, a escalação das
equipes foi feita em cima da hora, momentos antes de expirar o
novo prazo para a inscrição dos atletas e mesmo
assim por intermédio de um dos atiradores.
A
prova de carabina foi realizada no Elysian Park e teve como novidade
a apresentação do novo alvo americano, desconhecido
da maioria dos atiradores, com dez zonas circulares e com um centro
menor do que um níquel de cem réis. Os atiradores
deveriam disparar trinta tiros na posição deitada,
em seis séries de cinco tiros, e só poderiam reiniciar
a nova série após a apuração e a troca
de alvos da série anterior.
Vinte
e seis concorrentes disputaram a prova tiro-a–tiro e ao
final verificou-se um empate entre o sueco Ronmark e o tenente
mexicano Huelt, sendo necessária realização
de mais uma série entre ambos para decidir o primeiro lugar.
Sagrou-se vencedor o sueco por quatro pontos de diferença.
O resultado geral foi o seguinte:
a.
Carabina reduzida - 50 metros – 26 atiradores
1º Bertil Ronmark SUE 294
2º Gustavo Huelt MEX 294
3º Zoltan Ruska HUN 293
Os brasileiros classificaram-se em último lugar, com a
seguinte pontuação:
19º Manuel Costa Braga 284
21º Antônio Martins Guimarães 282
24º Ten Moacyr Castro 277
b.
Pistola rápida às silhuetas – 25 metros –
17 atiradores
Nossa equipe classificou-se em último lugar com os seguintes
resultados individuais:
14º Eugênio Caetano Amaral 17
15º Braz Magaldi 15
17º Antônio Ferraz da Silveira 15
por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE
e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação
do DF, ex presidente das federações do RJ e CE,
e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma
Longa" e "História do Tiro"
ferreiraedu@terra.com.br