1935
– Participação Brasileira nos Jogos Olímpicos
de Berlim
1.
Recriação da Federação Brasileira
de Tiro (FBT)
A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) diante
das pressões das entidades desportivas nacionais e reconhecendo
não ter as condições ideais para dirigir
todos os esportes amadores, acabou cedendo aos insistentes apelos
dos dirigentes do Tiro ao Alvo que desejavam o retorno do Tiro
Esportivo totalmente independente, gerando os próprios
recursos, traçando o seu destino.
Efetivamente
a CBD não reunia as melhores condições políticas,
financeiras e técnicas para dirigir o desporto amador brasileiro,
como ficou bem demonstrado diante do fracasso das equipes que
participaram dos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1932.
Acabou cedendo seu espaço, corretamente, para o Comitê
Olímpico Brasileiro (COB), que trouxe grandes benefícios
para os esportes olímpicos.
A
carência de recursos destinados às modalidades desportivas
nacionais, a grande extensão territorial do Brasil, dificultando
as comunicações entre os grandes centros e federações,
a insensibilidade e incompetência de certos dirigentes para
com os esportes menos populares, foram alguns dos fatores que
levaram a maioria dos desportos amadores a se desfiliar da Liga
de Esportes nos anos 30.
Assim,
a 10 de julho de 1935, foi novamente recriada a Federação
Brasileira de Tiro (FBT), sendo eleito para dirigi-la o Dr. Afrânio
Antônio da Costa, mais uma vez convocado por seus companheiros
para reestruturar o Tiro Esportivo no País. As associações
carioca, fluminense, mineira, paranaense e gaúcha se filiaram
à nova entidade recentemente criada, que procurou orientá-las
segundo as normas preconizadas pela União Internacional
de Tiro (UIT).
2.
PROVAS POR CORRESPONDÊNCIA
A falta de recursos para organizar provas internacionais no Brasil
e de enviar a nossa delegação para participar de
provas no exterior, fez com que Dr. Afrânio utilizasse um
meio comum naquela época nos países europeus –
provas disputadas por correspondência. A FBT usando de imaginação
e criatividade expediu vários convites às federações
internacionais de tiro propondo a realização de
provas por correspondências. Essas provas deveriam ocorrer
no mesmo dia e as federações após a realização
das provas trocavam correspondências enviando os resultados
de seus atiradores.
Essa
medida veio de certa forma motivar e manter treinados os nossos
atletas, por intermédio desse confronto de resultados,
e dessa maneira puderam se preparar para as Olimpíadas
de Berlim que já estavam próximas. Aproveitando
a inauguração do novo estande de tiro do Fluminense,
construído em 1934, com base no projeto do engenheiro Dr.
José Salvador Trindade, e com recursos levantados pelos
próprios atiradores tricolores, a FBT organizou uma prova
de carabina deitado por correspondência, contra a forte
equipe da Alemanha.
Contando
com a presença do embaixador alemão que deu mais
autenticidade à prova, a equipe brasileira representada
por atiradores do clube do FFC sagrou-se campeã do torneio
com os seguintes resultados:
• Manuel Costa Braga – 295 pontos
• Antônio Martins Guimarães – 292 pontos
• Harvey Dias Villela – 291 pontos
Nesse
mesmo ano (1935), um novo torneio foi acordado entre a equipe
brasileira e dessa vez contra a equipe da Finlândia, considerada
como uma das melhores do mundo. Nova vitória da equipe
brasileira com os seguintes resultados individuais:
• Daniel Amaral – 296 pontos
• Antônio Martins Guimarães – 294 pontos
• Manuel Costa Braga – 294 pontos
3.
JOGOS OLÍMPICOS DE BERLIM
a. Dissenções político-desportivas
Os preparativos para as Olimpíadas de Berlim, a exemplo
do que aconteceu nos Jogos de Los Angeles, transcorreu em ambiente
carregado e cheio de mal-entendidos e divergências entre
os dirigentes do esporte amador no Brasil.
A
razão principal deveu-se ao fato de ter sido fundado e
reconhecido o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), em
1935, sob a chefia do esportista Arnaldo Guinle, e a recusa da
CBD em aceitá-lo como único e legítimo representante
do esporte olímpico nacional, pois ainda mantinha ligações
com as entidades desportivas internacionais. A CBD se julgava
com plenos direitos de convocar os atletas e de enviá-los
aos Jogos, e assim procedeu. Por sua vez, o COB não aceitou
se submeter à CBD e também tratou de formar as suas
equipes e de treinar os seus atletas. Por incrível que
possa aparecer, o Brasil acabou enviando duas delegações
para as Olimpíadas de Berlim
O
impasse somente foi resolvido pelo Comitê Organizador da
Alemanha, às vésperas do início das Olimpíadas,
e o bom senso acabou prevalecendo, com as duas entidades se unindo
e aceitando a decisão do Comitê Alemão, permanecendo
a delegação brasileira unificada com 72 atletas
sob o comando do COB.
Obviamente
que todas essas desavenças, de certo modo, acabaram prejudicando
algumas equipes e atletas. O Tiro permaneceu desde o início
ao lado do COB, devido à antiga amizade que unia o Dr.
Afrânio Costa ao Dr. Arnaldo Guinle, desde a época
que ambos foram dirigentes do Fluminense, e, além disso,
a desorganização demonstrada pelos membros da CBD,
quando da escalação da equipe de tiro nos Jogos
Olímpicos de Los Angeles, não tinha sido esquecida
por Afrânio.
De
caráter impulsivo e excessivamente centralizador, Afrânio
sempre foi muito cioso de suas obrigações e de seus
encargos de chefia, em todas as entidades que dirigiu, mantendo
os seus pontos de vista com muita convicção e objetividade.
Além do que, não tinha o hábito de esquecer
com facilidade os seus adversários. Apesar de ter sido
considerado um indivíduo seco, obstinado e vaidoso, nunca
permitiu o desvio do esporte nacional das normas preconizadas
pelas entidades internacionais (UIT), preservando-o dos inexperientes,
incompetentes e interesseiros dirigentes esportivos brasileiros.
b.
Seleção dos atletas
A Federação Brasileira de Tiro realizou no mês
que antecedeu ao embarque da delegação uma eliminatória
com índices pré-fixados. Foram convocados os melhores
atiradores das federações e, após a seleção,
os atiradores continuaram treinando no estande do Fluminense.
Assim
ficou a nossa equipe ficou constituída:
1) Carabina Deitado
• José Salvador Trindade
• Antônio Martins Guimarães
• Manuel Costa Braga
2) Pistola Livre
• Harvey Dias Villela
c.
Realização das provas
Há vários anos a Alemanha vinha se preparando meticulosamente
para a organização dos Jogos Olímpicos de
Berlim. Impedida que fora de realizar as Olimpíadas de
1916, devido a I Guerra Mundial, ela dedicou uma atenção
toda especial à organização desse evento.
Hitler
pretendia fazer desta Olimpíada uma poderosa arma de propaganda
política do Nazismo, às 48 nações
participantes e determinou ao seu Comitê Organizador para
que realizasse a melhor das Olimpíadas do século.
Nada poderia faltar às instalações desportivas
e ao preparo técnico de seus atletas, que deveriam mostrar
ao mundo a superioridade da raça ariana nas pistas e quadras.
Como
é do conhecimento da História, o atleta negro norte-americano
Jesse Owens acabou derrubando esta última tese, ao vencer
várias provas de atletismo. Entretanto os Jogos Olímpicos
de Berlim foi uma das mais bem organizadas Olimpíadas,
impressionando a todos que assistiram e que participaram.
Na
Cerimônia de Abertura, os alemães incorporaram à
solenidade: a condução da tocha olímpica
pelo atleta mais destacado, o hasteamento da bandeira olímpica,
com seus aros entrelaçados simbolizando os cinco continentes
e a famosa saudação nazista, executada inocentemente
por algumas equipes presentes.
As
provas de tiro foram disputadas em espaçosos e modernos
estandes especialmente construídos para os Jogos, sob os
mais severos requintes técnicos da época, com proteção
para o vento e frio e dotado de boa luminosidade.
Os
resultados obtidos nas três provas disputadas foram considerados
excelentes, sendo que a pontuação do atleta sueco
Torsten Ullman, na prova de pistola livre (559 pontos), levou
24 anos para ser superado.
A
participação brasileira pode ser considerada muito
boa, e por muito pouco José Salvador Trindade não
obteve uma medalha para o Brasil. Juntamente com o atleta Sílvio
Magalhães Padilha, mais tarde, Presidente do Comitê
Olímpico Brasileiro, ambos foram os destaques brasileiros
nestas Olimpíadas e se classificando em 5º lugar.
Convém
ressaltar que Salvador fez o mesmo resultado do vice-campeão
Ralf Berzseny com 296 pontos. No desempate, decidido pelo critério
do tiro mais distante do centro (10), José Salvador Trindade
acabou em quinto lugar.
Os resultados foram os seguintes:
1) Carabina Deitado (65 atletas) – 30 tiros
1º Willy Rogerberg NOR 330 (*)
2º Ralf Berzseny HUN 296
3º WladislawKaras POL 296
(*) Novo recorde mundial
Os brasileiros concorreram contra 18 equipes e obtiveram o 9º
lugar.
5º José Salvador Trindade 296
23º Antônio Martins Guimarães 292
51º Manuel Costa Braga 287
Na prova de pistola livre, onde concorreram 60 atletas, Harvey
Villela disputou esta modalidade, ficando em 25º lugar, com
515 pontos.
O
Tiro, sob a chefia da recém criada entidade (FBT), dava
os seus primeiros passos esportivos e ressurgia como uma nova
esperança.
por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE
e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação
do DF, ex presidente das federações do RJ e CE,
e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma
Longa" e "História do Tiro"
ferreiraedu@terra.com.br