Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO

1. PRIMEIRA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO

Vamos voltar no tempo e relembrar o início da Federação Brasileira de Tiro, primeira entidade civil do Tiro Esportivo do Brasil. A FBT foi fundada em 2 de julho de 1923 e teve como Presidente Dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida e como 1º Secretário Dr. Afrânio Antônio da Costa. Conforme pesquisa feita, o Presidente Dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida nasceu em Salvador em 1879 e faleceu em 1935 no Rio de Janeiro. Foi engenheiro e um político famoso tendo prestado importantes serviços aos Ministérios da Viação e Obras Públicas e posteriormente da Agricultura, Indústria e Comércio. Era descendente direto do Marquês de Abrantes, seu homônimo, e aceitou o convite para presidir a primeira entidade civil do Tiro Esportivo Brasileiro.

Pouco se sabe dos primeiros passos da primeira Federação: para o seu funcionamento contou com a boa vontade da Liga de Defesa Nacional, particularmente do seu Presidente Henrique Coelho Neto, que cedeu generosamente uma sala na Rua do Ouvidor Nr 89, no Rio de Janeiro. A FBT guardava, ainda, estreitos vínculos com a Diretoria Geral do Tiro de Guerra e com os pensamentos patrióticos da Confederação do Tiro Brasileiro. Em 1924, por iniciativa do Secretário Dr. Afrânio, a FBT filiou-se à UIT. Apesar das dificuldades encontradas, como falta de recursos e clima de instabilidade política no País, conseguiu organizar vários campeonatos brasileiros.

Infelizmente a Federação não teve uma vida longa devido à disputa pela hegemonia do esporte amador e olímpico no Brasil entre a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), trazendo graves conseqüências para o Tiro, como a ausência inexplicada dos nossos atiradores nos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928, apesar do sucesso e das medalhas obtidas na Antuérpia em 1920 e nos I Jogos Latino-Americanos em 1922, no Rio de Janeiro. Essa divergência iria culminar com o fracasso da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de 1932, em Los Angeles.

Em 1927 a Federação Brasileira de Tiro deixou de existir por imposição da CBD que na época dirigia o desporto amador nacional, ficando o Tiro entregue às entidades regionais como a AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos), no antigo Distrito Federal. Assim, a CBD tomou a si o encargo de aglutinar todos os desportos terrestres, visando obter um maior controle com a intenção de proporcionar um apoio mais efetivo aos esportes amadores, tratando inclusive de estabelecer ligações com o Tiro Internacional através da filiação à UIT.

Os efeitos dessa medida não se fizeram esperar. As associações estaduais foram criadas rapidamente segundo os modelos de entidades esportivas internacionais. Dentro desse contexto e graças a uma comissão formada por experientes atiradores composta por: Dr. Benjamim de Oliveira Filho, Capitão João de Almeida e Thier de Faria e tendo como consultor Dr. Afrânio Costa, foi estabelecida uma nova organização de tiro, baseada nas diretrizes e regulamentos da UIT.

Sobre a recém-criada AMEA, encarregada de organizar e de dirigir todos os esportes amadores do Distrito Federal, merece destaque especial sobre a sua atuação ativa, evitando que o tiro morresse, organizando um concorrido Campeonato Carioca de Tiro em 1927 com a participação dos seguintes clubes: Fluminense, São Cristóvão, Flamengo, Vila Isabel, América e Bonsucesso.

Convém ressaltar que os primeiros campeonatos nacionais ocorreram efetivamente nas décadas de 1910 a 1920 sob a gestão do Exército Brasileiro, através da Diretoria Geral do Tiro de Guerra, promovendo provas típicas mais voltadas para o tiro de instrução e utilizando armas militares. A partir de 1927 as provas de tiro foram organizadas segundo os moldes das provas regulamentadas pela UIT. Em conseqüência novas armas de competição foram adquiridas, carabinas e pistolas 22 foram importadas da Suíça, dando um novo impulso ao Tiro Brasileiro.

2. RESTAURAÇÃO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO        

Diante do fracasso da participação do Brasil nos Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1932, a CBD acabou tendo que reconhecer o papel do COB nos Jogos Olímpicos e que passou a dirigir o esporte olímpico no Brasil. O grande esportista Arnaldo Guinle tornou-se então, o primeiro presidente desta nova fase do Comitê Olímpico Brasileiro que foi finalmente reconhecido em junho de 1935 pelo Comitê Olímpico Internacional.

Esta mudança desencadeou várias outras modificações no cenário desportivo nacional. Assim, a FBT foi reativada em 10 de julho de 1935, tendo à frente o grande batalhador do Tiro Brasileiro - Dr. Afrânio Antônio da Costa, que era amigo do Dr. Arnaldo Guinle desde o tempo do Fluminense. As associações metropolitana (DF), fluminense, mineira, paranaense e gaúcha imediatamente se filiaram à nova entidade oficializando a FBT. Portanto, esta nova entidade foi a legítima herdeira da antiga FBT, fundada em 2 de julho de 1923,

Algumas pessoas, assim como eu, que se interessam  pela História do Tiro Brasileiro e dos seus momentos de transição, lutas e glórias, terão a oportunidade de conhecer um pouco da vida administrativa, social e do cotidiano da Federação Brasileira de Tiro por intermédio de uma pesquisa realizada sobre o Tiro da época, tendo como base um ofício emitido por aquela entidade. Remexendo nos documentos antigos do meu pai Silvino Fernandes Ferreira, encontrei três ofícios a ele endereçados, que remontam ao período em que o Tiro Brasileiro estava sob a gestão da Federação Brasileira de Tiro (1935 a1944).

O primeiro ofício datado de 01 de julho de 1937 do então Presidente da Federação Brasileira de Tiro – Dr. Reynaldo Machado Vieira ao atirador Silvino Fernandes Ferreira, convidando-o a participar dos eventos comemorativos do terceiro ano de fundação da FBT. Tendo em vista ser um documento com mais de 70 anos de existência, já não apresenta um melhor estado de nitidez e portanto foi necessária uma melhor pesquisa para transcrição do texto original, escrito em grafia antiga, que se segue:

“Rio de Janeiro, 1º de julho de 1937

Exmo. Snr Silvino Fernandes

Prezado senhor

A 10 de julho corrente, entrará a nossa novel, mas, já victoriosa Federação, no seu terceiro anno de existência.

O que tem sido a sua actividade em tão curto período dil-o bem o seu prestigio sempre crescente e a consideração que lhe tributam as entidades congêneres.

Os sucessos alcançados na execução do seu programa de incrementar, difundir e desenvolver o esporte do tiro, cujas finalidades patrióticas são indiscutíveis attestam o acerto e provam à sociedade e segura orientação que tem norteado a Federação Brasileira de Tiro nestes dois annos de trabalhos em favor do resurgimento do esporte do tiro, que fora relegado à plano secundário, em criminoso  esquecimento, embora avulte, em seu brilhante passado, os mais remarcados feitos esportivos conquistados pelo Brasil em torneios olympicos.

A federação Brasileira de Tiro, deseja commemorar a data anniversaria de sua fundação com a realização de um programma que, demonstrando a efficiencia techica dos seus elementos, estreite ainda mais, num forte amplexo de camaradagem, as fraternaes relações que unem os atiradores.

Annexo, apraz-me enviar a V.Ex. uma copia do programma organisado, ao mesmo tempo que tenho a satisfação de convidar a V.Ex. para honrar com a sua presença a sessão festiva e solicitar sua adhesão aos demais actos commemorativos para o maior realce e brilhahntismo dos mesmos.

As inscripções para as provas esportivas serão feitas nos próprios locaes, momentos antes da hora designada para o inicio da competição: as ahesões para o almoço poderão ser enviadas, até a véspera, para a sede da Federação.

Reitero a V.Ex. os meus protestos de admiração e elevado apreço”.

Assina: Reynaldo Machado Vieira – Presidente”

Como esclarecimento: o Dr. Reynaldo era formado em engenharia, sendo filiado ao clube do Fluminense na época e foi campeão carioca em 1947 na prova  de tiro sob comando. O seu irmão, Armando Machado Vieira,  competiu também pelo Fluminense, na modalidade de carabina três posições. Em 1972 formou-se pela Escola Superior de Guerra. Através desse ofício, pela primeira vez foi possível verificar que Dr. Reinaldo foi o primeiro Presidente da FBT, indicado pelo Dr. Afrânio Antônio da Costa. Talvez devido aos pesados encargos exercidos no Superior Tribunal de Justiça e como Provedor da Santa Casa, Dr. Afrânio não tenha assumido a chefia da Federação Brasileira de Tiro, recriada por ele.

O ofício revelou também que a FBT foi reconhecida pelo Governo Brasileiro (Aviso Nr 149 do Ministério da Guerra, em 30 de outubro de 1935). Pode-se, ainda visualizar no documento o bonito logotipo da FBT estampado no ofício, bem como o endereço da sua sede: Avenida Rio Branco 137, 5º andar no Rio de Janeiro. A FBT estava nessa época filiada à Union Internationale de Tir e à Fédération Internationale de Tir aux armes sportives de chasse.

O segundo ofício, endereçado ao atirador Silvino Fernandes Ferreira em 1942, informava que a FBT estava lhe entregando um revólver colt de tiro ao alvo, calibre 38, como prêmio por ter vencido a prova de revólver na competição Argentina X Brasil, em 14 de novembro de 1941. Eis o texto original:

“Rio de janeiro, 5 de agosto de 1942

Nr06/942

Ilmo Sr. Silvino Ferreira

Atirador Federado, pertencente ao Grêmio do Fluminense Football Club

Nesta Capital

Saudações

Por intermédio do Senhor Presidente do Fluminense Footbal Club, tenho o grande prazer de entregar-lhe um revolver Colt, Nr. 557.220, cal 38, de tiro ao alvo, que esta Federação, por proposta do Conselho Técnico da Seção: Tiro de Chumbo, oferece ao presado patrício, afim de premiar os seus esforços, quando da competição Argentina-Brasil, levantando com brilhantismo o primeiro logar, para as cores nacionais, frente aos Argentinos, na grande prova de tiro de revolver, realizada em 14 de Novembro ultimo.

Outrossim, passo às suas mãos, ofício dirigido ao Chefe da S.F.E.A.M. da Policia Federal, afim de que, possa registrar devidamente, mediante exhibição do mesmo, na secção competente, o revolver em apreço, como propriedade sua.

Cordiais Saudações

Adalberto Quintella - Presidente em Exercício”

O outro ofício era endereçado ao Chefe de Polícia, com a mesma data (5 de agosto de 1942)

“Ilmo Sr. Dr. Álvaro Gurgel de Alencar Filho

M.D. Chefe da S.F.E.A.M.

Chefatura de Policia

Assunto: Licença para transito com Arma de Tiro ao Alvo

Para o atirador federado, Sr Silvino Ferreira, fichado nessa secção, venho solicitar as necessárias providencias no sentido de registrar, como propriedade do mesmo, um Revolver Colt Nr 557.220, calibre 38, para tiro ao alvo, e que esta Federação oferece como premio ao dito atirador federado, tendo sido adquirido, por compra do Sr Harald Brix, por esta Federação, como prova a Licença Permanente junta, devidamente transferida pelo ex-proprietario, cuja baixa solicito a V.S mandar proceder.

Cordiais Saudações

Adalberto Quintella – Presidente em Exercício

Nessa ocasião a sede da Federação Brasileira de Tiro estava no Edifício Nilomex – 7º. Andar – Sala 703 – Av. Nilo Peçanha, 155. Estava, ainda, registrada no Serviço de Caça e Pesca do Ministério da Agricultura - Portaria de 18 de Fevereiro de 1938.

 

 


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
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