Eduardo Ferreira
(ferreiraedu@terra.com.br)

1942 - FUNDAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE CAÇA E TIRO


1. O TÉRMINO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO (FBT)

Recebi do Presidente da Federação Sul-mato-grossense de Tiro Esportivo Dr Amilcar Silva Junior uma cópia escaneada do Jornal “O Tiro ao Vôo”, datado de 13 de novembro de 1942 e aprovado pelo Conselho Nacional dos Desportos (CND). Trata-se de um importante documento histórico relativo ao Estatuto da fundação da Confederação Brasileira de Caça e Tiro (CBCT). Esta Confederação, que teve uma vida esportiva muito curta e tumultuada, substituiu a antiga Federação Brasileira de Tiro (FBT), recriada em 10 de julho de 1935 pelo Dr. Afrânio Costa e autorizada através o Aviso No. 149 de 30/10/1935, pelo Ministério da Guerra (DOU No. 256 de 5/11/ 1935).
Convém ressaltar, que na época houve muita polêmica com a extinção da FBT que estava filiada à UIT e a criação dessa nova Confederação por decisão do CND.

Com a deflagração da II Guerra Mundial, o Tiro Esportivo sofreu as conseqüências da falta de visão do Governo Federal e principalmente da insensibilidade e isenção dos dirigentes dos órgãos desportivos do País. O Tiro esportivo viveu dias amargos e difíceis, devido à medida proibitiva imposta pelo Governo Federal de fechar todos os clubes de tiro nas regiões onde predominavam as colonizações alemãs e italianas, com o temor de ser implantado o “germanismo” nessas regiões, redundando na proibição da prática do tiro ao alvo e no recolhimento das armas de guerra no sul do País (fuzis e pistolas parabellum), que estavam nos estandes dos clubes de origem alemã .

Paralelamente ao fato, foi promulgada a Lei No. 3199, de 14 de abril de 1941, determinando que todos os desportos amadores deveriam ser dirigidos obrigatoriamente por uma “confederação” e que a mesma deveria possuir, no mínimo, três federações a ela filiadas.

Assim, com base na Lei do Esporte do Brasil foi criada a Confederação Brasileira de Caça e Tiro (CBCT), em 8 de julho de 1942, congregando atiradores e caçadores sob uma mesma entidade desportiva, sendo filiadas as seguintes federações: Federação Metropolitana, Paulista e Mineira de Caça e Tiro, sendo que esta última foi criada às pressas, em agosto de 1941, para atender a lei em vigor. Mais uma vez a Federação Brasileira de Tiro (FBT) viria a sucumbir e o Tiro ficou subordinado a uma entidade completamente desvinculada e descompromissada com os ideais do tiro olímpico.

2. ESTATUTO DA NOVA CONFEDERAÇÃO

A CBCT foi criada como “entidade máxima de direção desportiva nacional, destinada desenvolver no Brasil o esporte da caça, incrementar e controlar o tiro esportivo amadorista em todas as suas modalidades, intensificar e robustecer os laços de solidariedade entre caçadores e atiradores, sempre em prol do Patrimônio e da Defesa do País”.

As finalidades ressaltadas pela nova entidade já demonstravam a dicotomia dos problemas que viriam a ocorrer com a sua existência. Cabia ao Conselho Nacional de Desportos a aprovação do Estatuto, onde se nota claramente a falta de vivência dos legisladores a predominância de aspectos autoritários e ultrapassados sobre os esportivos.

Na verdade, na elaboração do Estatuto, o Tiro Olímpico foi relegado a um segundo plano dando-se maior ênfase à Caça, à Fauna e aos direitos dos caçadores. A CBCT também nomearia um delegado para intervir em cada federação como um diretor-técnico, nomeado pelo Conselho Diretor da Confederação. As federações ficaram tuteladas e subordinadas às decisões da Diretoria da CBCT, sem autonomia.

Há muitas coisas interessantes e fora de propósitos criadas pelo novo estatuto: “Serão beneméritos os que houverem feito donativos de valor superior a cinco mil cruzeiros; a sua proposta será encaminhada ao Conselho Diretor”; “Será suspenso ou excluído pelo Conselho Diretor, o associado, a associação federada ou atirador ou caçador confederado, que se permitir qualquer manifestação política dentro da CBCT, ou praticar o profissionalismo nos esportes de caça e do tiro; ou desmoralizar, menoscabar e desrespeitar as deliberações tomadas pela CBCT”.

Porém o artigo mais interessante: “As delegações de caça e de tiro, quando em excursão fora do País, serão chefiadas pelo Presidente da CBCT, ou pelo seu substituto legal, sempre, porém, com assistência técnicas respectivas e adstritas ao estabelecido pelo CND”

Conforme “O Tiro ao Vôo”, a CBCT teve como primeiro presidente o desconhecido Tenente Coronel Américo Braga, Comandante da Escola Especializada de Instrução do Exército (EsIE), sediada na Vila Militar, e sem qualquer conhecimento, experiência esportiva e bom relacionamento com a sociedade.

A nova confederação foi organizada com três departamentos distintos:

  • Tiro ao prato,
  • Tiro ao pombo
  • Tiro à bala.

Muito pouco ou quase nada de produtivo foi feito na gestão do Presidente Cel Américo Braga em prol do tiro à bala. O Tiro Esportivo praticamente “morreu”, sem provas ou incentivos. Os abnegados atiradores não tinham ao menos um calendário de provas e nem eram convocados para as reuniões da Confederação. O quadro era bem desolador: estandes fechados ou vazios, antigos dirigentes desprestigiados e afastados das decisões do esporte. De que adiantou o Tiro Esportivo ter obtido as três primeiras medalhas olímpicas em 1920 se os antigos dirigentes do Tiro Esportivo não tinham voz ativa dentro da nova entidade?

A inexistência de competições nacionais do Tiro Esportivo e os seguidos atritos e discussões ocorridos entre o pessoal do “chumbo” e o da “bala”, comprovaram a omissão e a incompetência dos dirigentes da CBCT, especialmente do Presidente Américo Braga e de sua diretoria, que não soube conciliar os grupos e de estruturar o Tiro nacional.

Em compensação o tiro ao pombo e o tiro ao prato foram bastante prestigiados e beneficiados pelos dirigentes da CBCT, com calendários carregados de provas, premiações e participações de seus atiradores nas decisões das assembléias da Confederação. Para se ter uma idéia do quadro existente, em 1944 houve quatro torneios regionais e um campeonato nacional de tiro ao prato, divididos em três turnos, promovidos pela Confederação de Caça.

Nesse período o Tiro ao Alvo só sobreviveu graças à atuação e à persistência de Antônio Martins Guimarães, Diretor de Tiro do Fluminense Futebol Clube, organizando provas internas e convidando atiradores de outros clubes para participarem das competições.

3. FUNDAÇÃO DAS FEDERAÇÕES DE TIRO AO ALVO
Contrariados com aquela situação indesejável e constrangedora de ver o tiro à bala desprestigiado e reduzido a um simples departamento da nova confederação, vários dirigentes e atiradores antigos se articularam e iniciaram um movimento em prol do restabelecimento do prestígio e dos objetivos do Tiro Olímpico Esportivo.

Esse movimento foi liderado pelo experiente Dr. Antônio Martins Guimarães, amigo e fiel seguidor das idéias do Ministro Afrânio Antônio da Costa, que havia se afastado do esporte logo após a decisão do Governo em criar a CBCT.

Além de Guimarães, o mineiro Álvaro José dos Santos Júnior, o paulista Tenente Coronel Antônio Ferraz da Silveira e do paranaense Eugênio Caetano do Amaral se organizaram com o intuito de fundar uma entidade ligada ao Tiro Esportivo.

O movimento que teve origem no Rio de Janeiro, logo se alastrou para outros estados e com o apoio do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), em virtude de o Tiro ser um esporte olímpico e contando ainda com a ajuda eficiente do General Breno Pernetta, comandante da 5ª. Região Militar, Eugênio Caetano do Amaral fundou a 10 de maio de 1946 a Federação Paranaense de Tiro ao Alvo. Logo em seguida, foi fundada a Federação Metropolitana de Tiro ao Alvo (FMTA), em 7 de junho de 1946, com a filiação dos clubes: Fluminense, Flamengo, São Cristóvão e Bangu, tendo como presidente o mineiro Dr. Álvaro Santos, que mais tarde se tornaria o grande campeão brasileiro de pistola livre.

Três dias depois, em 10 de junho de 1946, foi fundada a Federação Paulista de Tiro ao Alvo (FPTA), presidida pelo Ten Cel Antônio Ferraz da Silveira e contando com os clubes Tietê, Santos, Floresta e Duque de Caxias (Ribeirão Preto). Posteriormente a federação de Minas Gerais veio se juntar às três coirmãs. Dessa maneira, estavam os alicerces da futura confederação devidamente implantados.

4. FUNDAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO AO ALVO (1947)
Tendo as quatro federações como âncoras, o passo seguinte foi a fundação da CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE TIRO AO ALVO (CBTA), ocorrida em 28 de novembro de 1947, com sede no Rio de Janeiro, sendo novamente eleito para presidente, por unanimidade, o Ministro Afrânio Antônio da Costa.

No dia da posse, ocorrida no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), estavam presentes os velhos companheiros da Antuérpia, Tenente Coronel Guilherme Paraense, já na reserva, General Demerval Peixoto e o Dr. Dilermando Cruz, que ouviram emocionados o discurso do antigo “capitão da equipe brasileira”, que os havia liderado naquela memorável jornada épica.

É bem provável que naquele momento os seus pensamentos estivessem voltados para o ano de 1920 e para a velha cidade belga da Antuérpia. A improvisada e rústica linha de tiro do Exército; o extenso e o incômodo areal onde os alvos eram fincados; nenhuma proteção para os atiradores competirem; assistência curiosa e barulhenta, postada atrás dos atiradores mais famosos, acompanhando os tiros com seus binóculos; a alegria de toda a equipe após o último disparo de Paraense; a entrega de medalhas aos nossos atiradores e a chegada triunfal ao Rio de Janeiro, com direito à recepção pelo Presidente da República, tudo isso parecia um sonho distante...

Além da presença desses “heróis”, um grande número de atiradores famosos, do presente e do passado, como Tenente Coronel Antônio Ferraz da Silveira, General Zenóbio da Costa, foram levar o seu apoio à entidade e ao mais notável dos nossos atiradores, que mais uma vez era convocado para assumir a presidência da Confederação.

Do discurso de Afrânio, verdadeiro retrospecto da história do Tiro Brasileiro, ressalta-se o seguinte trecho, que representava o pensamento e os ideais da antiga Confederação Geral de Tiro, criada em 1906: “Em cada cidade um stand e um núcleo de atiradores de elite, que permita a todos os brasileiros uma preparação real e eficiente para a defesa do solo e das instituições, que insensivelmente promove o adestramento de todos e de cada um por via de diversão; de tal sorte que essa difícil e importante feição do soldado não preocupe demasiadamente às autoridades militares que terão suas cogitações aliviadas por esse auxílio disseminado por todo o País”.

4. JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES – 1948

O último capítulo dessa desavença entre a caça e o tiro à bala se deu em 1948 com a seleção da equipe brasileira que iria representar o Brasil nos XIV Jogos Olímpicos de Londres. A CBTC, na tentativa de enviar seus representantes, escalou atiradores do Rio Grande do Sul para compor a delegação, realizando eliminatórias a ultima hora para a inscrição de seus atletas.

De um recorte de jornal da época, extraímos o seguinte trecho: “Entre as medidas acertadas tomadas pelo Comitê Olímpico Brasileiro, destaca-se a que resolveu a inscrição da representação brasileira de Tiro ao Alvo, aos jogos olímpicos de Londres. Anteontem o COB escalou a delegação de atiradores, todos da Confederação Brasileira de Tiro ao Alvo, entidade reconhecida pelo governo e a única em condições de fornecer elementos eficientes e adequados. Para as funções de membro do jury internacional, o COB designou o Coronel Antônio Ferraz da Silveira e para as diversas provas os seguintes: pistola livre, Silvino ferreira e Álvaro Santos; Carabina Antônio Martins Guimarães, Alberto Braga e Carlos Pinto; Tiro rápido , Alan Sobocinski, Álvaro Santos e Pedro Simão. Uma delegação pequena mas magnífica”


“Há menos de dois meses, quando a Confederação Brasileira de Caça e Tiro, numa intransigência absurda declarou que só os seus atiradores poderiam ir a Londres.
De nada serviu a Caça e Tiro ter feito disputar apressadamente uma eliminatória no Rio Grande do Sul, pois a CBTA é quem deve ter, como teve, a preferência para organizar a delegação de tiro ao alvo, de nada valendo as alegações de outra entidade...”


Ao se desligar da Confederação Brasileira de Caça e Tiro, o Tiro Esportivo Brasileiro voltava a ser finalmente reconhecido nacionalmente pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e retomava o seu caminho de triunfo e de glórias. As ligações com a UIT foram prontamente reativadas e a delegação brasileira começou participou dos Jogos Olímpicos de Londres.

Mais tarde em 1975, na gestão do Presidente Cel Hugo de Sá Campello, por determinação do COB, o Tiro ao Prato veio a se incorporar à CBTA, participando das provas olímpicas juntamente com o tiro à bala, nos eventos organizados pela UIT.


por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação do DF, ex presidente das federações do RJ e CE, e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma Longa" e "História do Tiro"
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