1942
- FUNDAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA
DE CAÇA E TIRO
1. O TÉRMINO DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA
DE TIRO (FBT)
Recebi
do Presidente da Federação Sul-mato-grossense de
Tiro Esportivo Dr Amilcar Silva Junior uma cópia escaneada
do Jornal “O Tiro ao Vôo”,
datado de 13 de novembro de 1942 e aprovado pelo Conselho Nacional
dos Desportos (CND). Trata-se de um importante documento histórico
relativo ao Estatuto da fundação da Confederação
Brasileira de Caça e Tiro (CBCT). Esta Confederação,
que teve uma vida esportiva muito curta e tumultuada, substituiu
a antiga Federação Brasileira de Tiro (FBT), recriada
em 10 de julho de 1935 pelo Dr. Afrânio Costa e autorizada
através o Aviso No. 149 de 30/10/1935, pelo Ministério
da Guerra (DOU No. 256 de 5/11/ 1935).
Convém ressaltar, que na época houve muita polêmica
com a extinção da FBT que estava filiada à
UIT e a criação dessa nova Confederação
por decisão do CND.
Com
a deflagração da II Guerra Mundial, o Tiro Esportivo
sofreu as conseqüências da falta de visão do
Governo Federal e principalmente da insensibilidade e isenção
dos dirigentes dos órgãos desportivos do País.
O Tiro esportivo viveu dias amargos e difíceis, devido
à medida proibitiva imposta pelo Governo Federal de fechar
todos os clubes de tiro nas regiões onde predominavam as
colonizações alemãs e italianas, com o temor
de ser implantado o “germanismo” nessas regiões,
redundando na proibição da prática do tiro
ao alvo e no recolhimento das armas de guerra no sul do País
(fuzis e pistolas parabellum), que estavam nos estandes dos clubes
de origem alemã .
Paralelamente ao fato, foi promulgada a Lei No. 3199, de 14 de
abril de 1941, determinando que todos os desportos amadores deveriam
ser dirigidos obrigatoriamente por uma “confederação”
e que a mesma deveria possuir, no mínimo, três
federações a ela filiadas.
Assim,
com base na Lei do Esporte do Brasil foi criada a Confederação
Brasileira de Caça e Tiro (CBCT), em 8 de julho de 1942,
congregando atiradores e caçadores sob uma mesma entidade
desportiva, sendo filiadas as seguintes federações:
Federação Metropolitana, Paulista e Mineira de Caça
e Tiro, sendo que esta última foi criada às pressas,
em agosto de 1941, para atender a lei em vigor. Mais uma vez a
Federação Brasileira de Tiro (FBT) viria a sucumbir
e o Tiro ficou subordinado a uma entidade completamente desvinculada
e descompromissada com os ideais do tiro olímpico.
2.
ESTATUTO DA NOVA CONFEDERAÇÃO
A
CBCT foi criada como “entidade máxima de direção
desportiva nacional, destinada desenvolver no Brasil o esporte
da caça, incrementar e controlar o tiro esportivo amadorista
em todas as suas modalidades, intensificar e robustecer os laços
de solidariedade entre caçadores e atiradores, sempre em
prol do Patrimônio e da Defesa do País”.
As
finalidades ressaltadas pela nova entidade já demonstravam
a dicotomia dos problemas que viriam a ocorrer com a sua existência.
Cabia ao Conselho Nacional de Desportos a aprovação
do Estatuto, onde se nota claramente a falta de vivência
dos legisladores a predominância de aspectos autoritários
e ultrapassados sobre os esportivos.
Na
verdade, na elaboração do Estatuto, o Tiro Olímpico
foi relegado a um segundo plano dando-se maior ênfase à
Caça, à Fauna e aos direitos dos caçadores.
A CBCT também nomearia um delegado para intervir em cada
federação como um diretor-técnico, nomeado
pelo Conselho Diretor da Confederação. As federações
ficaram tuteladas e subordinadas às decisões da
Diretoria da CBCT, sem autonomia.
Há
muitas coisas interessantes e fora de propósitos criadas
pelo novo estatuto: “Serão beneméritos
os que houverem feito donativos de valor superior a cinco mil
cruzeiros; a sua proposta será encaminhada ao Conselho
Diretor”; “Será suspenso ou excluído
pelo Conselho Diretor, o associado, a associação
federada ou atirador ou caçador confederado, que se permitir
qualquer manifestação política dentro da
CBCT, ou praticar o profissionalismo nos esportes de caça
e do tiro; ou desmoralizar, menoscabar e desrespeitar as deliberações
tomadas pela CBCT”.
Porém
o artigo mais interessante: “As delegações
de caça e de tiro, quando em excursão fora do País,
serão chefiadas pelo Presidente da CBCT, ou pelo seu substituto
legal, sempre, porém, com assistência técnicas
respectivas e adstritas ao estabelecido pelo CND”
Conforme
“O Tiro ao Vôo”, a CBCT teve
como primeiro presidente o desconhecido Tenente Coronel Américo
Braga, Comandante da Escola Especializada de Instrução
do Exército (EsIE), sediada na Vila Militar, e sem qualquer
conhecimento, experiência esportiva e bom relacionamento
com a sociedade.
Muito pouco ou quase nada de produtivo foi feito na gestão
do Presidente Cel Américo Braga em prol do tiro à
bala. O Tiro Esportivo praticamente “morreu”, sem
provas ou incentivos. Os abnegados atiradores não tinham
ao menos um calendário de provas e nem eram convocados
para as reuniões da Confederação. O quadro
era bem desolador: estandes fechados ou vazios, antigos dirigentes
desprestigiados e afastados das decisões do esporte. De
que adiantou o Tiro Esportivo ter obtido as três primeiras
medalhas olímpicas em 1920 se os antigos dirigentes do
Tiro Esportivo não tinham voz ativa dentro da nova entidade?
A
inexistência de competições nacionais do Tiro
Esportivo e os seguidos atritos e discussões ocorridos
entre o pessoal do “chumbo” e o da “bala”,
comprovaram a omissão e a incompetência dos dirigentes
da CBCT, especialmente do Presidente Américo Braga e de
sua diretoria, que não soube conciliar os grupos e de estruturar
o Tiro nacional.
Em
compensação o tiro ao pombo e o tiro ao prato foram
bastante prestigiados e beneficiados pelos dirigentes da CBCT,
com calendários carregados de provas, premiações
e participações de seus atiradores nas decisões
das assembléias da Confederação. Para se
ter uma idéia do quadro existente, em 1944 houve quatro
torneios regionais e um campeonato nacional de tiro ao prato,
divididos em três turnos, promovidos pela Confederação
de Caça.
Nesse
período o Tiro ao Alvo só sobreviveu graças
à atuação e à persistência de
Antônio Martins Guimarães, Diretor de Tiro do Fluminense
Futebol Clube, organizando provas internas e convidando atiradores
de outros clubes para participarem das competições.
3.
FUNDAÇÃO DAS FEDERAÇÕES DE TIRO AO
ALVO
Contrariados com aquela situação indesejável
e constrangedora de ver o tiro à bala desprestigiado e
reduzido a um simples departamento da nova confederação,
vários dirigentes e atiradores antigos se articularam e
iniciaram um movimento em prol do restabelecimento do prestígio
e dos objetivos do Tiro Olímpico Esportivo.
Esse
movimento foi liderado pelo experiente Dr. Antônio Martins
Guimarães, amigo e fiel seguidor das idéias do Ministro
Afrânio Antônio da Costa, que havia se afastado do
esporte logo após a decisão do Governo em criar
a CBCT.
Além
de Guimarães, o mineiro Álvaro José dos Santos
Júnior, o paulista Tenente Coronel Antônio Ferraz
da Silveira e do paranaense Eugênio Caetano do Amaral se
organizaram com o intuito de fundar uma entidade ligada ao Tiro
Esportivo.
O
movimento que teve origem no Rio de Janeiro, logo se alastrou
para outros estados e com o apoio do Comitê Olímpico
Brasileiro (COB), em virtude de o Tiro ser um esporte olímpico
e contando ainda com a ajuda eficiente do General Breno Pernetta,
comandante da 5ª. Região Militar, Eugênio Caetano
do Amaral fundou a 10 de maio de 1946 a Federação
Paranaense de Tiro ao Alvo. Logo em seguida, foi fundada a Federação
Metropolitana de Tiro ao Alvo (FMTA), em 7 de junho de 1946, com
a filiação dos clubes: Fluminense, Flamengo, São
Cristóvão e Bangu, tendo como presidente o mineiro
Dr. Álvaro Santos, que mais tarde se tornaria o grande
campeão brasileiro de pistola livre.
Três
dias depois, em 10 de junho de 1946, foi fundada a Federação
Paulista de Tiro ao Alvo (FPTA), presidida pelo Ten Cel Antônio
Ferraz da Silveira e contando com os clubes Tietê, Santos,
Floresta e Duque de Caxias (Ribeirão Preto). Posteriormente
a federação de Minas Gerais veio se juntar às
três coirmãs. Dessa maneira, estavam os alicerces
da futura confederação devidamente implantados.
4. FUNDAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO
BRASILEIRA DE TIRO AO ALVO (1947)
Tendo as quatro federações como âncoras, o
passo seguinte foi a fundação da CONFEDERAÇÃO
BRASILEIRA DE TIRO AO ALVO (CBTA), ocorrida em 28 de
novembro de 1947, com sede no Rio de Janeiro, sendo novamente
eleito para presidente, por unanimidade, o Ministro Afrânio
Antônio da Costa.
No
dia da posse, ocorrida no auditório da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), estavam presentes os velhos companheiros
da Antuérpia, Tenente Coronel Guilherme Paraense, já
na reserva, General Demerval Peixoto e o Dr. Dilermando Cruz,
que ouviram emocionados o discurso do antigo “capitão
da equipe brasileira”, que os havia liderado naquela memorável
jornada épica.
É
bem provável que naquele momento os seus pensamentos estivessem
voltados para o ano de 1920 e para a velha cidade belga da Antuérpia.
A improvisada e rústica linha de tiro do Exército;
o extenso e o incômodo areal onde os alvos eram fincados;
nenhuma proteção para os atiradores competirem;
assistência curiosa e barulhenta, postada atrás dos
atiradores mais famosos, acompanhando os tiros com seus binóculos;
a alegria de toda a equipe após o último disparo
de Paraense; a entrega de medalhas aos nossos atiradores e a chegada
triunfal ao Rio de Janeiro, com direito à recepção
pelo Presidente da República, tudo isso parecia um sonho
distante...
Além
da presença desses “heróis”, um grande
número de atiradores famosos, do presente e do passado,
como Tenente Coronel Antônio Ferraz da Silveira, General
Zenóbio da Costa, foram levar o seu apoio à entidade
e ao mais notável dos nossos atiradores, que mais uma vez
era convocado para assumir a presidência da Confederação.
Do
discurso de Afrânio, verdadeiro retrospecto da história
do Tiro Brasileiro, ressalta-se o seguinte trecho, que representava
o pensamento e os ideais da antiga Confederação
Geral de Tiro, criada em 1906: “Em cada cidade um stand
e um núcleo de atiradores de elite, que permita a todos
os brasileiros uma preparação real e eficiente para
a defesa do solo e das instituições, que insensivelmente
promove o adestramento de todos e de cada um por via de diversão;
de tal sorte que essa difícil e importante feição
do soldado não preocupe demasiadamente às autoridades
militares que terão suas cogitações aliviadas
por esse auxílio disseminado por todo o País”.
4.
JOGOS OLÍMPICOS DE LONDRES – 1948
O
último capítulo dessa desavença entre a caça
e o tiro à bala se deu em 1948 com a seleção
da equipe brasileira que iria representar o Brasil nos XIV Jogos
Olímpicos de Londres. A CBTC, na tentativa de enviar seus
representantes, escalou atiradores do Rio Grande do Sul para compor
a delegação, realizando eliminatórias a ultima
hora para a inscrição de seus atletas.
De
um recorte de jornal da época, extraímos o seguinte
trecho: “Entre as medidas acertadas tomadas pelo Comitê
Olímpico Brasileiro, destaca-se a que resolveu a inscrição
da representação brasileira de Tiro ao Alvo, aos
jogos olímpicos de Londres. Anteontem o COB escalou a delegação
de atiradores, todos da Confederação Brasileira
de Tiro ao Alvo, entidade reconhecida pelo governo e a única
em condições de fornecer elementos eficientes e
adequados. Para as funções de membro do jury internacional,
o COB designou o Coronel Antônio Ferraz da Silveira e para
as diversas provas os seguintes: pistola livre, Silvino ferreira
e Álvaro Santos; Carabina Antônio Martins Guimarães,
Alberto Braga e Carlos Pinto; Tiro rápido , Alan Sobocinski,
Álvaro Santos e Pedro Simão. Uma delegação
pequena mas magnífica”
“Há menos de dois meses, quando a Confederação
Brasileira de Caça e Tiro, numa intransigência absurda
declarou que só os seus atiradores poderiam ir a Londres.
De nada serviu a Caça e Tiro ter feito disputar apressadamente
uma eliminatória no Rio Grande do Sul, pois a CBTA é
quem deve ter, como teve, a preferência para organizar a
delegação de tiro ao alvo, de nada valendo as alegações
de outra entidade...”
Ao se desligar da Confederação Brasileira de Caça
e Tiro, o Tiro Esportivo Brasileiro voltava a ser finalmente reconhecido
nacionalmente pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB)
e retomava o seu caminho de triunfo e de glórias. As ligações
com a UIT foram prontamente reativadas e a delegação
brasileira começou participou dos Jogos Olímpicos
de Londres.
Mais
tarde em 1975, na gestão do Presidente Cel Hugo de Sá
Campello, por determinação do COB, o Tiro ao Prato
veio a se incorporar à CBTA, participando das provas olímpicas
juntamente com o tiro à bala, nos eventos organizados pela
UIT.
por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE
e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação
do DF, ex presidente das federações do RJ e CE,
e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma
Longa" e "História do Tiro"
ferreiraedu@terra.com.br