TIRO
AO REI
Com
a crise causada pelas guerras na Europa em meados do século
XIX, provocando a falta de alimentos no campo, vários povos
decidiram imigrar para a América do Sul para tentar uma
melhor sorte. As correntes imigratórias de origem alemã
vieram se fixar no Sul do Brasil, em virtude do clima ameno e
pela grande extensão de terras desocupadas. Por determinação
expressa do Imperador D. Pedro II foram concedidas terras para
os colonos, notadamente, em Santa Catarina, Rio Grande do Sul
e no Paraná.
Como
foram os primeiros a chegar ao Brasil, os colonos alemães
se fixaram às margens dos rios, aproveitando as várzeas
existentes para a plantação de seu sustento. Os
italianos que imigraram depois dos alemães tiveram que
subir a serra gaúcha e catarinense e ali se fixaram.
Conforme
o livro da escritora Sueli Maria Vanzuita Petry, “tudo começou
com a vinda em 1846 do encarregado pela Sociedade de Proteção
ao Imigrante alemão Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau para
manter contatos com o Governo Imperial Brasileiro para estudar
as possibilidades de instalação de novas colônias
de imigração alemã no Brasil. No ano de 1848,
explorou o vale do Itajaí e constatou a viabilidade desta
região para receber a imigração de colonos
alemães”.
“Em
02 de setembro de 1850, o Dr. Blumenau utilizando-se dos seus
próprios recursos juntamente com 17 imigrantes, deu início
à colonização e exploração
de terras no Vale do Itajaí”. Rapidamente o povoado
cresceu e se transformou em uma pequena vila, não obstante,
os moradores mantiveram os mesmos costumes e tradições
de suas regiões de origem.
Uma
dessas tradições, talvez uma das mais famosas e
preservadas até hoje, foi sem dúvida a do “Tiro
ao Rei”, promovida pelas sociedades de origem germânica,
denominadas “Schützenverein”.
As festas do Tiro ao Rei ocorriam uma vez por ano e conforme a
sociedade eram realizadas na Páscoa e, em geral, duravam
três dias. Grande parte dos habitantes do lugar participava
dessas festas, que além do torneio de tiro tinha muita
dança, músicas alemãs e rodadas de cerveja,
naturalmente patrocinadas pelo “Rei do Tiro”, atirador
vitorioso daquele ano.
O
Torneio era muito disputado e basicamente consistia em disparar
uma série de três tiros, com a arma apoiada sobre
um cavalete ou em uma mesa-cavalete. O alvo era uma peça
de madeira e possuía 20 zonas devendo ficar a uma distância
de 165 metros dos atiradores. O armamento mais utilizado era o
fuzil de calibre 8mm, de estojo “estrangulado”. A
partir da I Grande Guerra, com as restrições impostas
pelo Governo Federal causadas pela desconfiança aos colonos
alemães, o fuzil foi substituído pela carabina suíça,
calibre .22 – Martini e a distância reduzida a 50
metros.
Ao
vencedor da prova de Tiro ao Rei era dado o direito de disparar
dois tiros sobre um alvo de madeira, quase sempre artisticamente
esculturado e adornado com letras góticas com o nome da
sociedade, e que lhe seria entregue após a cerimônia
de proclamação do “Rei”. Havia também
a disputa para o título de “Rainha do Tiro”,
premiando-se a dama que melhor resultado obtivera na prova.
O
“Rei” tinha um reinado de um ano e durava até
a próxima “Schützenverein”.
No ano seguinte, os demais atiradores, todos portando orgulhosamente
suas medalhas de tiro costuradas nos jalecos, dirigiam-se à
sua residência e saudavam-no com uma salva de tiros. Em
seguida, o “Rei” era conduzido com muita distinção
até o centro da cidade e sob a escolta de dois “cavaleiros”,
respectivamente o segundo e terceiro colocados no torneio passado,
dava início ao desfile pelas principais ruas acompanhadas
pelo som de uma bandinha típica, recebendo calorosos aplausos
de todos os assistentes. À noite, animados pela mesma
bandinha e ao som das valsinhas e polkas alemãs, os sócios
comemoravam dançando e se divertindo até a madrugada
o feito do novo “Rei”.
Atualmente
essa prova é realizada por dezenas de clubes, inclusive
pela mais antiga sociedade de tiro – “Schützenverein
Blumenau”, fundada em 02 de dezembro de 1859 com
54 sócios, nove anos após a fundação
da Colônia de Blumenau. Hoje o clube é denominado
“Tabajara Tênis Clube” e mantém as tradições
daquele tempo.
Ao
longo desses anos a prova sofreu algumas mudanças políticas
e técnicas devido à proibição do uso
do fuzil pelo Governo Federal, no período entre as duas
Grandes Guerras Mundiais, bem como a diminuição
do alvo, passando a ter dez zonas, redução da distância
para 50 metros e utilização de armas mais modernas
de calibre .22.
Entre
os diversos clubes no Rio Grande do Sul que disputavam as provas
do “Tiro ao Rei”, estavam: Associação
dos Viajantes Comerciais (caixeiros viajantes), de Porto Alegre
e a Sociedade de Atiradores de Novo Hamburgo, entidade fundada
em 1892 .
1859 –
SCHUTZENVEREIN BLUMENAU
Livro da Escritora Sueli Maria Vanzuita Petry
por Eduardo Ferreira
Recordista e campeão brasileiro de armas longas da CBTE
e das Forças Armadas. Ex vice-presidente da CBTE e da federação
do DF, ex presidente das federações do RJ e CE,
e diretor das federações da PB e RS. Autor de "Arma
Longa" e "História do Tiro"
ferreiraedu@terra.com.br